domingo, 3 de novembro de 2013

Isenção IRPF - Tipos diferentes de Cegueira

Achei esta decisão abaixo do STJ que confirma nossa tese que a isenção do IRPF, por cegueira, não se limita a cegueira total binocular, sendo que, os outros tipos de cegueira também dão direito a isenção.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.346.304 - RS (2012/0206168-5)
RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE : NERY CORRÊA DO PRADO
ADVOGADOS : LUIR CESCHIN
MARCEL EDUARDO DE LIMA
RECORRIDO  : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IRPF. ISENÇÃO. ART. 6º, XIV, DA LEI 7.713/1988. INTERPRETAÇÃO LITERAL. CEGUEIRA. DEFINIÇÃO MÉDICA. PATOLOGIA QUE ABRANGE TANTO O COMPROMETIMENTO DA VISÃO NOS DOIS OLHOS COMO TAMBÉM EM APENAS UM. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por Nery Corrêa do Prado, com fundamento nas alíneas "a" e "c", do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim
ementado (e-STJ Fl. 154):

IMPOSTO DE RENDA. VISÃO MONOCULAR. CEGUEIRA. ISENÇÃO. ARTIGO 6º, INCISO XIV DA LEI FEDERAL Nº 7.713, DE 1988. INTERPRETAÇÃO LITERAL. IMPOSSIBILIDADE.
Não tem direito a isenção de imposto de renda, como se fosse cego, o militar reformado portador de visão monocular.

Na irresignação especial que ora se apresenta, o recorrente alega que houve, além de divergência jurisprudencial, violação do art. 111 do Código Tributário Nacional e do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988.
Argumenta que "a literalidade da norma leva à interpretação de que a isenção abrange o gênero patológico 'cegueira', não importando se atinge a visão binocular ou monocular" (e-STJ Fl. 171, grifos no original).
Contrarrazões apresentadas às e-STJ Fls. 198-200. 
Juízo positivo de admissibilidade à e-STJ Fls. 203-204.
É o relatório. Passo a decidir.
O recurso merece prosperar.
O recorrente foi aposentado por invalidez em razão de cegueira irreversível no olho esquerdo. Pleiteou, na via judicial, o reconhecimento de isenção do Imposto de Renda em relação aos proventos recebidos, bem como a restituição do que foi indevidamente retido na fonte por sua unidade pagadora.
O recorrente sustenta que o benefício previsto no artigo 6º, inciso XIV, da Lei  7.713/1988, deve ser concedido aos portadores de cegueira parcial, devendo a norma ser interpretada restritiva e literalmente.
Assim, a controvérsia cinge-se em definir se os proventos recebidos por pessoa física aposentada em decorrência de cegueira em um único olho são isentos do Imposto de Renda, nos termos do art. 6º da Lei 7.713/1988. 
Sobre o assunto, versa o dispositivo:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos
percebidos por pessoas físicas:
(...)
XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidentes em serviços, e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose-múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave , estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido
contraída depois da aposentadoria ou reforma; (grifei)

Consoante o citado comando legal, os proventos percebidos por portadores de cegueira são isentos do pagamento do Imposto Sobre a Renda.
Por outro lado, é cediço que as normas instituidoras de isenção devem ser interpretadas literalmente (art. 111 do Código Tributário Nacional). Sendo assim, não prevista, expressamente, a hipótese de exclusão da incidência do Imposto de Renda, incabível fazê-lo por analogia. 
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE, PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88. BENEFÍCIO RECONHECIDO A PARTIR DA APOSENTADORIA. ART. 462 DO CPC. APRECIAÇÃO DE JUS SUPERVENIENS EM INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. A isenção tributária é concedida somente mediante a edição de lei formal específica, nos termos do art. 97, VI, do CTN, cujos requisitos devem ser observados integralmente, para que se efetive a renúncia fiscal.
2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7713/88, é explícito ao conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores de moléstia grave.
3. Consectariamente, tem-se a impossibilidade de interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de descaber a extensão do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedentes: REsp 778.618/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 28.04.2006 ; RMS 19.597/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, DJ 20.02.2006; REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, DJ 04.08.2006) (...) (REsp 907.236/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe 01/12/2008, grifei)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. IMPOSTO DE RENDA. ART. 6º DA LEI N. 7.713/88. SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE. PORTADOR DE CARDIOPATIA GRAVE. INEXISTÊNCIA DE ISENÇÃO. ART. 111, INCISO II, DO CTN. PRECEDENTES.
(...)
3. Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN, a legislação tributária que outorga a isenção deve ser interpretada literalmente.
4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006 p. 302, grifei)

TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - PIS - RECEITAS DECORRENTES DE VENDAS PARA EXPORTAÇÃO - EMPRESAS COMERCIAIS EXPORTADORAS - EXTENSÃO ÀS TRADING COMPANIES - IMPOSSIBILIDADE - ISENÇÃO - INTERPRETAÇÃO LITERAL - ATO DECLARATÓRIO NORMATIVO - NORMA COMPLEMENTAR - INOBSERVÂNCIA - CONDUTA DIVERSA.
(...)
2. Normas tributárias que impliquem em renúncia fiscal interpretam-se restritivamente.
(...)
4. Recurso especial não provido. (REsp 1074015/PR, Rel. Ministra
ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009, grifei)

Por outro lado, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde, que é adotada pelo SUS e estabelece as definições médicas das patologias, a cegueira não está restrita à perda da visão nos dois olhos, podendo ser diagnosticada a partir do comprometimento da visão em apenas um olho. Confira-se:
H54.0 Cegueira, ambos os olhos: Classes de comprometimento visual 3, 4 e 5 em ambos os olhos;
H54.1 Cegueira em um olho e visão subnormal em outro: Classes de comprometimento visual 3, 4 e 5 em um olho, com categorias 1 ou 2 no outro olho;
H54.2 Visão subnormal de ambos os olhos: Classes de comprometimento visual 1 ou 2 em ambos os olho;
H54.3 Perda não qualificada da visão em ambos os olhos: Classes de comprometimento visual 9 em ambos os olhos;
H54.4 Cegueira em um olho: Classes de comprometimento visual 3, 4 ou 5 em um olho [visão normal no outro olho];
H54.5 Visão subnormal em um olho: Classes de comprometimento da visão 1 ou 2 em um olho [visão normal do outro olho];
H54.6 Perda não qualificada da visão em um olho: Classe de comprometimento visual 9 em um olho [visão normal no outro olho];
H54.7 Perda não especificada da visão: Classe de comprometimento visual 9 SOE.

Como se percebe, na medicina existem diversas espécies de cegueira, algumas abrangendo a perda da visão nos dois olhos (H54.0), outras relacionadas a problemas em apenas um olho (H54.1 e H54.4).

De fato, de acordo com as definições médicas, mesmo que a pessoa possua a visão normal em um dos olhos, poderá se diagnosticada como portadora de cegueira (H54.4).

Nesse contexto, a literalidade da norma leva à interpretação de que a isenção abrange o gênero patológico "cegueira", não importando se atinge a visão binocular ou monocular.

Com efeito, a lei não distingue, para efeitos da isenção, quais espécies de cegueira estariam beneficiadas ou se a patologia teria que comprometer toda a visão, não cabendo ao intérprete fazê-lo.

Assim, numa interpretação literal, deve-se entender que a isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 favorece o portador de qualquer tipo de cegueira, desde que assim caracterizada, de acordo
com as definições médicas.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 04 de fevereiro de 2013.
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Relator
(Ministro  BENEDITO GONÇALVES, 07/02/2013)

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