segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

CONCEITO LEGAL DE DEFICIENTE E AS ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS

CONCEITO DE DEFICIENTE PARA FINS LEGAIS E AS ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS


*LEANDRO JORGE DE OLIVEIRA LINO

DA INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS DOS DEFICIENTES

De plano devemos considerar que os Deficientes Físicos, Mentais e Visuais, gozam de proteção especial pela nossa Constituição Federal, conforme preveem os artigos 23, 24, 37, 40, 201, 203, 208, 227 e art. 244.

Segundo a Constituição Federal, é dever do Estado, cuidar da saúde e assistência pública, da proteção, integração social e garantia das pessoas portadoras de deficiência.

Por seu turno a Lei nº 7.853/89 (que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), traz como norte interpretativo as suas regras em atendimento a Constituição Federal, a valorização dos princípios da isonomia, justiça e bem-estar social, dignidade da pessoa humana, afastando as discriminações e os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade.

Desta forma, concluímos que como princípio de nossa Carta Magna e confirmado pela Lei de integração das Pessoas Portadoras de Deficiência, os Deficiente devem ser tratados de forma especial pelo ESTADO como Governo, especialmente para salvaguardar seus direitos, tendo, portanto, um microssistema especial de proteção, donde se extrai que as normas jurídicas devem ser interpretadas de forma a resguardar a aplicação do melhor direito aos portadores de necessidades especiais.

DEFINIÇÃO LEGAL DE DEFICIENTE

O art. 3°, I e II do Decreto nº 3.298/99 que regulamenta a Lei nº 7.853/89, define o conceito de deficiência legal, nos seguintes termos:

“Art. 3º, I – deficiência - toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos;”

Traz ainda o Decreto o conceito de deficiente legalmente considerado, em seu artigo 4.º, com a redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004, àquelas que se enquadrem e uma das seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

        IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
        a) comunicação;
        b) cuidado pessoal;
        c) habilidades sociais;
        d) utilização dos recursos da comunidade;
        e) saúde e segurança;
        f) habilidades acadêmicas;
        g) lazer; e
        h) trabalho;
        V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Recentemente temos um novo conceito bem amplo do que se considera deficiente para fins de legais, trazida pelo Decreto n.º 8.145/2013, que veio regulamentar a Lei Complementar n.º 142/2013, a qual versou sobre o direito a aposentadoria especial dos deficientes.

Para o novel Decreto que alterou o Decreto n.º 3.048/1999, considera-se deficiente, nos termos do artigo 70-D, §3.º:

“§ 3º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”

Como visto acima o novo Decreto, trouxe um conceito mais amplo do que se considera legalmente deficiente, sendo necessário atender alguns requisitos:

a)      Ter impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial;
b)      Os impedimentos possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Questiona-se com a nova previsão se o conceito legal de deficiente previsto no Decreto n.º 8.145/2013, substitui o trazido pelo Decreto nº 5.296, de 2004.

Com o devido respeito às opiniões contrárias, entendemos que, apesar de o Decreto n.º 8.145/2013, veio trazer o conceito legal de deficiente para fins de aposentadoria, deve ser ele atualmente considerado como o “responsável” pela definição do conceito legal de deficiente.

Assim entendemos com base no microssistema protecional Constitucional aos deficientes que consagra seus direitos, e estipula ao Estado que garanta o exercício pleno destes direitos.

De outro lado, temos o princípio constitucional da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sendo os iguais tratados igualmente e os desiguais desigualmente na medida de sua desigualdade.

E o princípio da dignidade da pessoa humana, que traz o dever ao Estado de garantir a todos o direito à vida, mas não só a vida biológica, mas uma vida digna.



Assim sendo, os deficientes devem ser tratados de forma desigual na medida de sua desigualdade, resguardando-lhe o gozo a uma vida digna, não cabendo ao legislador limitar o uso e gozo dos direitos dos deficientes ao estabelecer critérios fixos legais do que se considera deficiente.

Devendo prevalecer, desta forma, a legislação que traz critérios genéricos, amplos do que se considera deficiente legal, autorizando o interprete, com base nas experiências pessoais e científicas, definir caso a caso, o que se considera deficiente nos termos da lei.

Sem sombra de dúvida a novel legislação trará maior justiça aos deficientes, uma vez que, ainda que sua situação pessoal não enquadre na moldura fixa e fria do Decreto n. 5.296/1994, poderá ser considerado deficiente legal, com base na interpretação sistemática, usando para tanto o conceito do Decreto n.º 8.145/2013.

DA CEGUEIRA LEGAL – COMO DEFICIÊNCIA

Abrimos este tópico para versar um pouco sobre a deficiência visual, que gera sem sombra de dúvidas uma imensa discussão jurídica, especialmente no tocante a inclusão do possuidor da visão monocular como deficiente.

De início temos 03 (três) legislações federais que versam sobre a deficiência visual, sendo as duas primeiras descritas supra, qual sejam: o Decreto n.º 8.145/2013 e o Decreto n.º 5.296, de 2004.

A última legislação a ser analisada é a que cuida do IPI, Lei n.º 8.989/1995, com a redação dada pela Lei n.º 10.690/2003, traz em seu artigo 1.º, §2.º: “ ...é considerada pessoa portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações”.

Pela leitura do texto da lei, extrai-se que para ser considerado deficiente visual, precisa ter uma acuidade visual de 20/200 (tabela Snellen) ou campo de visão inferior a 20º, no melhor olho ou as duas situações ao mesmo tempo.

Diferentemente do Decreto n.º 5.296/2004, a Lei do IPI, não fala que o campo visual de 20º decorre da somatória de ambos os olhos, mas tão somente, do melhor olho, o que de plano já enseja uma discussão quanto ao monocular.

Como verificar a acuidade visual do melhor olho, se o monocular só possui uma visão? Como se comparar uma visão a outra, se só existe uma visão?

As respostas a estas questões, por obviedade é que irá ou não caracterizar o monocular como deficiente visual.

Considerando que monocular não possui dupla visão, não como medicamente ou legalmente, fazer a comparação de um olho com outro, sendo que, desta forma, trata-se de uma exceção à regra, não se lhe aplicando a prevista na Lei do IPI.

No que se refere a conceituação de deficiente visual trazida pela Decreto n.º 5.296/2004, em qual traz expressamente a previsão que é deficiente visual, os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º.

Como a conceituação jurídica de deficiente se define pelo campo visual de 60º na somatória de ambos os olhos, o monocular, já está enquadrado nesta hipótese, pois ainda que possua visão completa, sem qualquer problema no olho que não é cego, seu campo visual já está no mínimo em 50º, ou poderá ser inferior a depender da acuidade visual do olho que existe visão.

No que se versa ao Decreto n.º 8.145/2013, melhor sorte assiste ao monocular, pois como visto o conceito de deficiente por este decreto trazido é amplo, sendo necessário atender alguns requisitos:

1)Ter impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial;
2)      Os impedimentos possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

É de conhecimento comum, que o monocular sofre preconceitos por causa de sua cegueira, possuindo um impedimento de longo prazo sensorial (ausência parcial de visão), o qual gera grandes obstáculos a sua vida profissional, principalmente na concorrência em iguais condições com as demais pessoas.

Neste caminho entendeu o C. STJ que o monocular deve ser considerado legalmente deficiente para fins de exercer seu direito a concorrer a cargos públicos, pondo uma pá de cal na discussão.

“STJ Súmula nº 377 - 22/04/2009 - DJe 05/05/2009
Portador de Visão Monocular - Vagas Reservadas aos Deficientes
    O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes.” (grifos nossos)

A matéria relativa ao conceito de deficiente visual, para fins legais, especialmente, para prestar concursos públicos, foi enfrentada pelo E. STF, no RMS: 26071 DF, em qual entendeu que o possuidor de visão monocular é considerado deficiente visual para todos os fins de direito:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA VISUAL. AMBLIOPIA. RESERVA DE VAGA. INCISO VIII DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. § 2º DO ART. 5º DA LEI Nº 8.112/90. LEI Nº 7.853/89. DECRETOS NºS 3.298/99 E 5.296/2004. 1. O candidato com visão monocular padece de deficiência que impede a comparação entre os dois olhos para saber-se qual deles é o "melhor". 2. A visão univalente -- comprometedora das noções de profundidade e distância -- implica limitação superior à deficiência parcial que afete os dois olhos. 3. A reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. 4. Recurso ordinário provido.”

(STF - RMS: 26071 DF , Relator: Min. CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 13/11/2007, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02 PP-00314 RTJ VOL-00205-01 PP-00203)

Em seu voto no Min. Relator Carlo Britto, trouxe claramente o entendimento do por que o monocular é considerado deficiente visual, justificando que, ele possui uma visão já abaixo dos 60% do normal, que é exigido pelo Decreto n. 5.296/2004.

Cabe aqui a citação dos principais trechos do voto condutor:
(...)
 




DA CEGUEIRA PARA FINS DE ISENÇÃO DE ICMS

Apesar do ICMS ser um imposto de competência Estadual, as Fazendas Estaduais, por meio do CONFAZ, para evitar a ocorrência de divergências entre Estados e, portanto, a guerra fiscal, firmam convênios entre si, que passam a integrar o patrimônio jurídico dos Estados-Federados anuentes.

Neste sentido temos o atual Convênio ICMS do CONFAZ n.º 38, de 30/03/2012, que foi ratificado nacionalmente através do Ato Declaratório n.º 05/2012, publicado no DOU de 26.04.2012, que rege o ICMS em âmbito nacional trazendo as principais diretrizes, sendo complementado pelas legislações estaduais.

Nos termos do Convênio ICMS CONFAZ n.º 38/2012, em sua cláusula primeira, prevê o direito a isenção do ICMS para aquisição de automóvel por portadores de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por meio de seus representantes.

Define o convênio quem é deficiente visual, nos termos da cláusula segunda:

“Cláusula segunda - Para os efeitos deste convênio é considerada pessoa portadora de:

I - deficiência física, aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II - deficiência visual, aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º, ou ocorrência simultânea de ambas as situações;” (grifos nossos)

Da leitura dos termos do convênio percebe-se claramente que ele segue os exatos termos da Lei n.º 8.989/1995 (Lei do IPI), ocorrendo no mesmo erro da legislação federal, e cabendo a mesma interpretação dispendida ao IPI, aplicando-se as regras dos Decretos Federais n.º 5.296/2004 e 8.145/2013.

No Estado de São Paulo a título de exemplo, o Regulamento do ICMS (Decreto 45.490, de 30-11-2000, com a redação dada pelo Decreto 49.203 de 1º-12-2004) em seu artigo 19, prevê claramente o direito a isenção do ICMS para aquisição de automóveis por portadores de necessidades especiais, remetendo a apuração do direito a comprovação das condições descritas na Lei do IPI.

Portanto, para a Fazenda Estadual de SP, o portador de visão monocular deve cumprir o requisito da aferição visual descrito na Lei do IPI, para ser considerado portador de necessidades especiais, da espécie deficiente visual, para ter o direito à isenção do ICMS.

No entanto, aqui cabem duas ressalvas:

1ª – a Lei Estadual Paulista n.º 14.481, DE 13 DE JULHO DE 2011, classifica o portador de visão monocular, como portador de deficiência visual, portanto, independente da previsão no RICMS SP que deve cumprir os requisitos da Lei do IPI para isentar o ICMS, fazendo uma interpretação sistemática da legislação, defendemos que com o reconhecimento jurídico (em lei) da deficiência visual ao monocular, automaticamente está enquadrado na hipótese legal de isenção do ICMS, seja com base no RICMS ou no Convênio do CONFAZ.

A 2.ª ressalva a ser feita versa sobre a questão da interpretação legal do convênio do ICMS e da Lei do ICMS Paulista, com base nos princípios constitucionais da isonomia tributária, justiça social, dignidade da pessoa humana, assim como, nos Decretos Federais referidos, chegando-se a conclusão que o Portador de Visão Monocular é Considerado Deficiente Visual e, dessarte, isento do ICMS.





DA CONCLUSÃO

A guisa de conclusão, podemos afirmar que o deficiente físico, mental e visual, goza de proteção especial em nosso ordenamento jurídico constitucional, devendo-lhe pelo Estado ser garantido o resguardo aos seus direitos sociais, principalmente a sua integração a sociedade, rechaçando qualquer tipo de discriminação de qualquer ordem que seja.

E com bases nestes princípios Constitucionais, temos que a melhor interpretação é que conceito jurídico de deficiente se encontra melhor descrito no novel Decreto n.º 8.145/2013, o qual deve ser aplicado para todos fins de Direito.

No que se refere a caracterização do possuidor de visão monocular, como deficiente visual, e consequentemente, lhe sendo garantidas as benesses da lei, especialmente, das isenções tributárias do IPI, ICMS e IPVA, a melhor interpretação a ser feita, é a sistemática, donde se conclui que este por possuir única visão, não há como se comparar qual é a melhor; demais disto, possui campo visual inferior a 60%, sendo tecnicamente considerado deficiente visual, gerando-lhe o direito a isenção do IPI, ICMS e IPVA.

Finalmente, no âmbito do ICMS e IPVA, temos que considerar as legislações Estaduais que consideram o possuidor de visão monocular como deficiente visual, e por conseguinte fazendo uma aplicação sistemática da norma, chegamos a conclusão exorável, que se é considerado legalmente deficiente, deve o ser para todos os efeitos jurídicos, principalmente o tributário, sendo, isento nos termos da lei destes impostos.


* Advogado, inscrito na OAB/SP n. º 218.168, especialista em Direito Tributário, sócio do escritório Lino Advocacia, blog: http://www.linoadvocacia.blogspot.com.br, e-mail: leandro@linoadvocacia.com.br






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