ISENÇÃO
DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE O GANHO DE CAPITAL - QUITAÇÃO FINANCIAMENTO
IMOBILIÁRIO
*LEANDRO JORGE DE OLIVEIRA LINO
*LEANDRO JORGE DE OLIVEIRA LINO
I – DA DELIMITAÇÃO DO TEMA
Inicialmente temos
que conceituar o que vem a ser Ganho de Capital, ou lucro imobiliário: é
considerado como a diferença positiva entre o valor de alienação do bem e o seu
respectivo custo de aquisição, abatido à depreciação prevista em Lei.
Exemplo: Se há a
venda de um imóvel por R$ 100.000,00, sendo que seu custo de aquisição foi de
R$ 50.000,00, temos um “lucro imobiliário” de R$ 50.000,00, que poderá ou não
ser tributado, a depender do enquadramento nas hipóteses legais de isenção.
A legislação
tributária brasileira versa claramente sobre o ganho de capital no artigo 3.º,
§3.º, da Lei n.º 7.713/1988, e no Decreto n.º 3.000/1999, em seu artigo 117,
§4.º, assim definindo-o:
“§ 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas
as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou
cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as
realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em
pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda,
cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.”
Por sua vez, a
alíquota de incidência do IRPF sobre o lucro imobiliário é de 15 % (quinze) por
cento sobre o ganho de capital auferido, nos termos do artigo 21, “caput”, da
Lei n. 8.981/1995.
No entanto, existem
algumas hipóteses legais de isenção do imposto de renda sobre tal lucro
imobiliário, dentre as hipóteses existentes, temos a hipótese da aplicação
total do produto da venda de imóvel residencial, na aquisição de outro imóvel
residencial localizado no País, desde que feito no prazo de 180 (cento e oitenta)
dias da data da venda.
Tal previsão está no
artigo 39, “caput”, da Lei n.º 11.196/2005:
“Art. 39. Fica isento do imposto de renda o ganho
auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais,
desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da
celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis
residenciais localizados no País.”
Ao ser analisar a Lei
n.º 11.196/2005, verifica-se que nela não tem qualquer previsão que impeça a
isenção do imposto de renda sobre o lucro imobiliário, quando o valor da venda
seja totalmente empregado na quitação, total ou parcial, débito remanescente de
aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo
alienante.
No entanto, inovando
no mundo jurídico veio a Instrução Normativa da Receita Federal n.º 599/2005,
que regulamentou na Receita Federal a apuração e cobrança do IR sobre o lucro
imobiliário.
A IN SRF 599/2005, em
seu § 11, do artigo 2.º, trouxe previsão que impede a isenção do IR sobre o
lucro imobiliário se o valor da venda foi utilizado para quitar outro imóvel
anteriormente adquirido pelo alienante.
“Art. 2º Fica
isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País
na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento
e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda
na aquisição, em seu nome, de imóveis residenciais localizados no País.
(...)
§ 11. O disposto neste artigo não se aplica, dentre
outros:
I - à hipótese de venda de imóvel residencial com o
objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a
prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante;”
Seguindo o
entendimento da vedação da isenção IR sobre o ganho de capital decorrente da
venda de imóvel para quitação de outro, que em tese já possuía, temos o
entendimento claro da Receita Federal demonstrado nas “Perguntas e Respostas”
do IRPF 2013, em seu item 604:
ÚNICO IMÓVEL —
AQUISIÇÃO DE OUTRO POR CONTRATO PARTICULAR
604 — Proprietário de
um imóvel adquire, mediante contrato particular, outro imóvel a ser construído.
A alienação do imóvel que possui, antes do recebimento daquele em construção,
se enquadra na isenção de alienação de único imóvel por valor igual ou inferior
a R$ 440.000,00?
O proprietário de um imóvel que adquire outro imóvel,
construído ou em construção, mediante contrato particular pactuado com a
construtora ou agente financeiro, ainda que não tenha desembolsado qualquer quantia,
tem, a partir do contrato, a propriedade de dois imóveis, não podendo, na venda
de um deles, fazer jus à isenção do único imóvel alienado por valor igual ou
inferior a R$ 440.000,00.
O contrato particular firmado entre a construtora/agente
financeiro e o adquirente é instrumento válido para configurar a aquisição do
imóvel.
(Decreto nº 3.000, de
26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999, art. 39,
inciso III; Instrução Normativa SRF nº 84, de 11 de outubro de 2001, art. 29,
I)
Igualmente
encontramos a previsão no DIMOB – Declaração de Informações Imobiliárias, que
afirma que a propriedade é transferida da construtora para o adquirente, com a
celebração do contrato, ainda que seja através de financiamento imobiliário.
“52. As "vendas
efetuadas" se concretizam na data de assinatura do contrato de compra e
venda com a construtora ou na data do registro de imóveis?
Na data de assinatura
do contrato de compra e venda com a construtora.”
Pela análise do
disposto supra verifica-se que a Receita Federal, entende que com a celebração
de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que seja na
planta, e se utilizando de financiamento imobiliário, considera-se adquirida e
transferida a propriedade e, portanto, não poderia ser considerado para fins de
isenção do IR sobre o ganho de capital, pois já era anteriormente de
propriedade do contribuinte.
Diante de tal situação
muitos contribuintes têm sido autuados e sofrem lançamentos tributários feitos
pela Receita Federal, cobrando o IR sobre o lucro imobiliário, alegando que o
uso do valor da venda de imóvel residencial para quitar outro residencial, mas
já anteriormente adquirido, não se encontra na hipótese de isenção do IR.
II – DO DIREITO A ISENÇÃO
De outro lado, temos
a previsão expressa do § 10, do artigo 2.º, da IN SRF 599/2005, que garante a
isenção do IR nas aquisições de imóvel
residencial em construção ou na planta.
Ҥ 10. O disposto
neste artigo aplica-se, inclusive:
I - aos contratos de
permuta de imóveis residenciais;
II - à venda ou aquisição de imóvel residencial em
construção ou na planta.”
Desta forma, de
início já temos uma franca contradição entre o permissivo do §10, com a vedação
do §11, ambos do artigo 2.º, da IN SRF 599/2005.
Além disto, há que ser
analisada a natureza jurídica do contrato de financiamento imobiliário, segundo
a legislação pátria.
O contrato de
compromisso de compra e venda, não é título aquisitivo hábil para a
transferência automática da propriedade, que se só será realizada ao final da
construção, com a lavratura da escritura pública e levada ao registro no
cartório de imóveis.
Não pode confundir
direitos reais de garantia com a propriedade, pois existindo apenas o contrato
de compromisso de compra e venda, existem os direitos reais sobre o imóvel em
construção, mas não a propriedade. Tal previsão está no §2.º, do artigo 32, da
Lei 4.591/1964, com a redação dada pela Lei n.º 10.931/2004:
Ҥ 2o Os contratos de compra e venda, promessa de
venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e,
uma vez registrados, conferem
direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória
perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de
insolvência posterior ao término da obra. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de
2004)”
Temos ainda que considerar a previsão do artigo 1.417, do
Código Civil Brasileiro, que diz textualmente que o contrato de compromisso de
compra e venda, o promitente-comprador adquire o direito a adquirir o imóvel, e
não o adquire automaticamente com o contrato.
“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou
arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real
à aquisição do imóvel.”
Considere-se ainda que a propriedade definitiva do imóvel
edificado só é transferida via escritura pública e averbado no cartório de
registro de imóveis, como dispõe os artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil
Brasileiro.
“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou
transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de
Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos
expressos neste Código.”
“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro
do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante
continua a ser havido como dono do imóvel.
(...)”
Portanto, conclui-se que a promessa de compra e venda ou
mesmo o contrato de compra e venda decorrente de incorporação de imobiliária,
antes da lavratura da escritura pública definitiva e registrada no cartório de
imóveis, não existe a propriedade do contratante, apenas direitos reais sobre o
imóvel diferente da propriedade definitiva.
Cumpre salientar que,
ao conceder o benefício para imóveis adquiridos na planta, a norma está a
garantir que o ganho de capital seja utilizado para pagamento de parcelas do
imóvel, ou de sua integralidade, antes da transferência de propriedade. Isto
porque, conforme prevê a Lei que disciplina as Incorporações Imobiliárias (Lei
n.º 4.591/64), no caso de aquisição de imóveis na planta, o registro de
propriedade só pode ser efetuado após o término da construção, quando se
viabiliza a emissão do “habite-se”.
Nos termos do artigo
44, da Lei n° 4.591/64, que dispõe sobre as incorporações imobiliárias, até o
momento da averbação da construção no registro imobiliário, após a conclusão da
obra e emissão do habite-se, os adquirentes das unidades não possuem a
propriedade do imóvel, mas apenas de cada fração ideal do terreno, recaindo
todas as obrigações sobre o incorporador.
Analisar ainda se faz
necessário, a questão da legalidade da IN SRF n.º 599/2005, ao extrapolar a
simples regulamentação da Lei, e a interpretação da isenção.
A instrução normativa
é um ato normativo administrativo da Fazenda Pública, que visa esclarecer os
termos da Lei, trazer um regulamento interno, não podendo criar tributos,
majorá-los, criar isenções ou mesmo negá-las, visto que tais situações é exclusividade
da Lei, nos termos do artigo 150, I, e §6.º da CF/88.
Uma vez que a IN SRF
n.º 599/2005, extrapolou a simples regulamentação, ao criar uma vedação à
isenção não prevista na lei, feriu precipuamente o princípio da legalidade
tributária, portanto, é ilegal, para não se dizer inconstitucional, dessarte,
não deve ser considerada para os devidos fins legais.
Por derradeiro,
saliente-se que nos termos do artigo 111, II, do CTN, a lei tributária que
disponha sobre isenção deve ser interpretada literalmente e, como não há
previsão literal da exclusão da isenção do IR sobre o ganho de capital cujo
valor tenha sido totalmente empregado na quitação de financiamento imobiliário,
a previsão na IN SRF n.º 599/2005, mais uma vez não deve prosperar.
Neste sentido temos a
jurisprudência do TRF4:
EMENTA: TRIBUTÁRIO.
IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL.
IN/SRF Nº 599/2005 E ART. 39 DA LEI Nº 11.196/05. O Código Tributário Nacional
- CTN, em seu art. 111, II, prevê que "Interpreta-se literalmente a
legislação tributária que disponha sobre (...) II - outorga de isenção". A
Lei nº 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na alienação
de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da venda, seja
aplicado "o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais
localizados no País". Ou seja, a lei estabeleceu como requisito da isenção
do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no prazo de 180 dias da
venda, mas a aplicação/utilização, neste período, do recurso obtido com a venda
de imóvel na compra de novo imóvel. Nada mais. Considerar que o requisito da
isenção prevista na Lei nº 11.196/05 é a aquisição, em si, de novo imóvel, e
não a aplicação (na aquisição de novo imóvel) do recurso obtido com a venda de
imóvel, leva a uma interpretação equivocada do dispositivo legal, no sentido de
restringir o gozo do benefício fiscal instituído em lei, exatamente como o fez
a Receita Federal, através da IN/SRF nº 599/2005. Com efeito, o art. 39 da Lei
nº 11.196/05 não autoriza as restrições criadas pela IN/SRF nº 599/2005,
notadamente aquelas previstas nos parágrafos 6º, 7º e 11 do art. 2º dessa norma
infralegal. (TRF4, APELREEX 5013981-39.2013.404.7200, Segunda Turma, Relatora
p/ Acórdão Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 13/02/2014)
EMENTA: TRIBUTÁRIO.
IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL.
IN/SRF Nº 599/2005 E ART. 39 DA LEI Nº 11.196/05. O Código Tributário Nacional
- CTN, em seu art. 111, II, prevê que "Interpreta-se literalmente a
legislação tributária que disponha sobre (...) II - outorga de isenção". A
Lei nº 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na alienação
de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da venda, seja
aplicado "o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais
localizados no País". Ou seja, a lei estabeleceu como requisito da isenção
do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no prazo de 180 dias da
venda, mas a aplicação/utilização, neste período, do recurso obtido com a venda
de imóvel na compra de novo imóvel. Nada mais. Considerar que o requisito da
isenção prevista na Lei nº 11.196/05 é a aquisição, em si, de novo imóvel, e
não a aplicação (na aquisição de novo imóvel) do recurso obtido com a venda de
imóvel, leva a uma interpretação equivocada do dispositivo legal, no sentido de
restringir o gozo do benefício fiscal instituído em lei, exatamente como o fez
a Receita Federal, através da IN/SRF nº 599/2005. Com efeito, o art. 39 da Lei
nº 11.196/05 não autoriza as restrições criadas pela IN/SRF nº 599/2005,
notadamente aquelas previstas nos parágrafos 6º, 7º e 11 do art. 2º dessa norma
infralegal. (TRF4, AC 5004112-95.2012.404.7100, Segunda Turma, Relatora Luciane
Amaral Corrêa Münch, D.E. 18/12/2013)
EMENTA: TRIBUTÁRIO.
IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL.
IN/SRF Nº 599/2005 E ART. 39 DA LEI Nº 11.196/05. O Código Tributário Nacional
- CTN, em seu art. 111, II, prevê que "Interpreta-se literalmente a
legislação tributária que disponha sobre (...) II - outorga de isenção". A
Lei nº 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na
alienação de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da
venda, seja aplicado "o produto da venda na aquisição de imóveis
residenciais localizados no País". Ou seja, a lei estabeleceu como
requisito da isenção do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no
prazo de 180 dias da venda, mas a aplicação/utilização, neste período, do
recurso obtido com a venda de imóvel na compra de novo imóvel. Nada mais.
Considerar que o requisito da isenção prevista na Lei nº 11.196/05 é a
aquisição, em si, de novo imóvel, e não a aplicação (na aquisição de novo
imóvel) do recurso obtido com a venda de imóvel, leva a uma interpretação
equivocada do dispositivo legal, no sentido de restringir o gozo do benefício
fiscal instituído em lei, exatamente como o fez a Receita Federal, através da
IN/SRF nº 599/2005. Com efeito, o art. 39 da Lei nº 11.196/05 não autoriza as
restrições criadas pela IN/SRF nº 599/2005, notadamente aquelas previstas nos
parágrafos 6º, 7º e 11 do art. 2º dessa norma infralegal. (TRF4, AC
5004038-95.2013.404.7200, Segunda Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, D.E.
18/12/2013)
III - CONCLUSÃO
A guisa de conclusão,
podemos afirmar que a negativa de isenção do imposto de renda decorrente do
ganho de capital, cujo valor integral da venda tenha sido empregado na quitação
de outro imóvel objeto de contrato de compromisso de compra e venda, inclusive
na planta, prevista na IN SRF n.º 599/2005, é ilegal e inconstitucional, não
possuindo valor jurídico.
Mas ante ao
entendimento da Receita Federal, contrário à isenção, faz-se necessário à busca
por ela via mandado de segurança preventivo, ou repressivo ou ainda ação
anulatória de débito fiscal.
* Advogado Tributarista,
pós-graduado em Direito Material e Processual Tributário, e especialista em
isenções tributárias. e-mail: leandro@linoadvocacia.com.br, blog:
http://linoadvogados.blogspot.com.br.
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