quarta-feira, 5 de março de 2014

ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE O GANHO DE CAPITAL - QUITAÇÃO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO

ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE O GANHO DE CAPITAL - QUITAÇÃO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO

*LEANDRO JORGE DE OLIVEIRA LINO

I – DA DELIMITAÇÃO DO TEMA

Inicialmente temos que conceituar o que vem a ser Ganho de Capital, ou lucro imobiliário: é considerado como a diferença positiva entre o valor de alienação do bem e o seu respectivo custo de aquisição, abatido à depreciação prevista em Lei.

Exemplo: Se há a venda de um imóvel por R$ 100.000,00, sendo que seu custo de aquisição foi de R$ 50.000,00, temos um “lucro imobiliário” de R$ 50.000,00, que poderá ou não ser tributado, a depender do enquadramento nas hipóteses legais de isenção.

A legislação tributária brasileira versa claramente sobre o ganho de capital no artigo 3.º, §3.º, da Lei n.º 7.713/1988, e no Decreto n.º 3.000/1999, em seu artigo 117, §4.º, assim definindo-o:

“§ 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.”

Por sua vez, a alíquota de incidência do IRPF sobre o lucro imobiliário é de 15 % (quinze) por cento sobre o ganho de capital auferido, nos termos do artigo 21, “caput”, da Lei n. 8.981/1995.

No entanto, existem algumas hipóteses legais de isenção do imposto de renda sobre tal lucro imobiliário, dentre as hipóteses existentes, temos a hipótese da aplicação total do produto da venda de imóvel residencial, na aquisição de outro imóvel residencial localizado no País, desde que feito no prazo de 180 (cento e oitenta) dias da data da venda.

Tal previsão está no artigo 39, “caput”, da Lei n.º 11.196/2005:

“Art. 39. Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País.”

Ao ser analisar a Lei n.º 11.196/2005, verifica-se que nela não tem qualquer previsão que impeça a isenção do imposto de renda sobre o lucro imobiliário, quando o valor da venda seja totalmente empregado na quitação, total ou parcial, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante.

No entanto, inovando no mundo jurídico veio a Instrução Normativa da Receita Federal n.º 599/2005, que regulamentou na Receita Federal a apuração e cobrança do IR sobre o lucro imobiliário.

A IN SRF 599/2005, em seu § 11, do artigo 2.º, trouxe previsão que impede a isenção do IR sobre o lucro imobiliário se o valor da venda foi utilizado para quitar outro imóvel anteriormente adquirido pelo alienante.

“Art. 2º  Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição, em seu nome, de imóveis residenciais localizados no País.
(...)
§ 11. O disposto neste artigo não se aplica, dentre outros:

I - à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante;”

Seguindo o entendimento da vedação da isenção IR sobre o ganho de capital decorrente da venda de imóvel para quitação de outro, que em tese já possuía, temos o entendimento claro da Receita Federal demonstrado nas “Perguntas e Respostas” do IRPF 2013, em seu item 604:

ÚNICO IMÓVEL — AQUISIÇÃO DE OUTRO POR CONTRATO PARTICULAR
604 — Proprietário de um imóvel adquire, mediante contrato particular, outro imóvel a ser construído. A alienação do imóvel que possui, antes do recebimento daquele em construção, se enquadra na isenção de alienação de único imóvel por valor igual ou inferior a R$ 440.000,00?
O proprietário de um imóvel que adquire outro imóvel, construído ou em construção, mediante contrato particular pactuado com a construtora ou agente financeiro, ainda que não tenha desembolsado qualquer quantia, tem, a partir do contrato, a propriedade de dois imóveis, não podendo, na venda de um deles, fazer jus à isenção do único imóvel alienado por valor igual ou inferior a R$ 440.000,00.
O contrato particular firmado entre a construtora/agente financeiro e o adquirente é instrumento válido para configurar a aquisição do imóvel.
(Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999, art. 39, inciso III; Instrução Normativa SRF nº 84, de 11 de outubro de 2001, art. 29, I)

Igualmente encontramos a previsão no DIMOB – Declaração de Informações Imobiliárias, que afirma que a propriedade é transferida da construtora para o adquirente, com a celebração do contrato, ainda que seja através de financiamento imobiliário.

“52. As "vendas efetuadas" se concretizam na data de assinatura do contrato de compra e venda com a construtora ou na data do registro de imóveis?
Na data de assinatura do contrato de compra e venda com a construtora.”

Pela análise do disposto supra verifica-se que a Receita Federal, entende que com a celebração de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que seja na planta, e se utilizando de financiamento imobiliário, considera-se adquirida e transferida a propriedade e, portanto, não poderia ser considerado para fins de isenção do IR sobre o ganho de capital, pois já era anteriormente de propriedade do contribuinte.

Diante de tal situação muitos contribuintes têm sido autuados e sofrem lançamentos tributários feitos pela Receita Federal, cobrando o IR sobre o lucro imobiliário, alegando que o uso do valor da venda de imóvel residencial para quitar outro residencial, mas já anteriormente adquirido, não se encontra na hipótese de isenção do IR.

II – DO DIREITO A ISENÇÃO

De outro lado, temos a previsão expressa do § 10, do artigo 2.º, da IN SRF 599/2005, que garante a isenção do IR nas aquisições de  imóvel residencial em construção ou na planta.

Ҥ 10. O disposto neste artigo aplica-se, inclusive:
I - aos contratos de permuta de imóveis residenciais;
II - à venda ou aquisição de imóvel residencial em construção ou na planta.”

Desta forma, de início já temos uma franca contradição entre o permissivo do §10, com a vedação do §11, ambos do artigo 2.º, da IN SRF 599/2005.

Além disto, há que ser analisada a natureza jurídica do contrato de financiamento imobiliário, segundo a legislação pátria.

O contrato de compromisso de compra e venda, não é título aquisitivo hábil para a transferência automática da propriedade, que se só será realizada ao final da construção, com a lavratura da escritura pública e levada ao registro no cartório de imóveis.


Não pode confundir direitos reais de garantia com a propriedade, pois existindo apenas o contrato de compromisso de compra e venda, existem os direitos reais sobre o imóvel em construção, mas não a propriedade. Tal previsão está no §2.º, do artigo 32, da Lei 4.591/1964, com a redação dada pela Lei n.º 10.931/2004:

§ 2o Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas são irretratáveis e, uma vez registrados, conferem direito real oponível a terceiros, atribuindo direito a adjudicação compulsória perante o incorporador ou a quem o suceder, inclusive na hipótese de insolvência posterior ao término da obra. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)”

Temos ainda que considerar a previsão do artigo 1.417, do Código Civil Brasileiro, que diz textualmente que o contrato de compromisso de compra e venda, o promitente-comprador adquire o direito a adquirir o imóvel, e não o adquire automaticamente com o contrato.

“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.”

Considere-se ainda que a propriedade definitiva do imóvel edificado só é transferida via escritura pública e averbado no cartório de registro de imóveis, como dispõe os artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil Brasileiro.

“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”

“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
(...)”

Portanto, conclui-se que a promessa de compra e venda ou mesmo o contrato de compra e venda decorrente de incorporação de imobiliária, antes da lavratura da escritura pública definitiva e registrada no cartório de imóveis, não existe a propriedade do contratante, apenas direitos reais sobre o imóvel diferente da propriedade definitiva.

Cumpre salientar que, ao conceder o benefício para imóveis adquiridos na planta, a norma está a garantir que o ganho de capital seja utilizado para pagamento de parcelas do imóvel, ou de sua integralidade, antes da transferência de propriedade. Isto porque, conforme prevê a Lei que disciplina as Incorporações Imobiliárias (Lei n.º 4.591/64), no caso de aquisição de imóveis na planta, o registro de propriedade só pode ser efetuado após o término da construção, quando se viabiliza a emissão do “habite-se”.

Nos termos do artigo 44, da Lei n° 4.591/64, que dispõe sobre as incorporações imobiliárias, até o momento da averbação da construção no registro imobiliário, após a conclusão da obra e emissão do habite-se, os adquirentes das unidades não possuem a propriedade do imóvel, mas apenas de cada fração ideal do terreno, recaindo todas as obrigações sobre o incorporador.

Analisar ainda se faz necessário, a questão da legalidade da IN SRF n.º 599/2005, ao extrapolar a simples regulamentação da Lei, e a interpretação da isenção.

A instrução normativa é um ato normativo administrativo da Fazenda Pública, que visa esclarecer os termos da Lei, trazer um regulamento interno, não podendo criar tributos, majorá-los, criar isenções ou mesmo negá-las, visto que tais situações é exclusividade da Lei, nos termos do artigo 150, I, e §6.º da CF/88.


Uma vez que a IN SRF n.º 599/2005, extrapolou a simples regulamentação, ao criar uma vedação à isenção não prevista na lei, feriu precipuamente o princípio da legalidade tributária, portanto, é ilegal, para não se dizer inconstitucional, dessarte, não deve ser considerada para os devidos fins legais.

Por derradeiro, saliente-se que nos termos do artigo 111, II, do CTN, a lei tributária que disponha sobre isenção deve ser interpretada literalmente e, como não há previsão literal da exclusão da isenção do IR sobre o ganho de capital cujo valor tenha sido totalmente empregado na quitação de financiamento imobiliário, a previsão na IN SRF n.º 599/2005, mais uma vez não deve prosperar.

Neste sentido temos a jurisprudência do TRF4:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL. IN/SRF Nº 599/2005 E ART. 39 DA LEI Nº 11.196/05. O Código Tributário Nacional - CTN, em seu art. 111, II, prevê que "Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre (...) II - outorga de isenção". A Lei nº 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na alienação de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da venda, seja aplicado "o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País". Ou seja, a lei estabeleceu como requisito da isenção do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no prazo de 180 dias da venda, mas a aplicação/utilização, neste período, do recurso obtido com a venda de imóvel na compra de novo imóvel. Nada mais. Considerar que o requisito da isenção prevista na Lei nº 11.196/05 é a aquisição, em si, de novo imóvel, e não a aplicação (na aquisição de novo imóvel) do recurso obtido com a venda de imóvel, leva a uma interpretação equivocada do dispositivo legal, no sentido de restringir o gozo do benefício fiscal instituído em lei, exatamente como o fez a Receita Federal, através da IN/SRF nº 599/2005. Com efeito, o art. 39 da Lei nº 11.196/05 não autoriza as restrições criadas pela IN/SRF nº 599/2005, notadamente aquelas previstas nos parágrafos 6º, 7º e 11 do art. 2º dessa norma infralegal. (TRF4, APELREEX 5013981-39.2013.404.7200, Segunda Turma, Relatora p/ Acórdão Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 13/02/2014)

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL. IN/SRF Nº 599/2005 E ART. 39 DA LEI Nº 11.196/05. O Código Tributário Nacional - CTN, em seu art. 111, II, prevê que "Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre (...) II - outorga de isenção". A Lei nº 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na alienação de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da venda, seja aplicado "o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País". Ou seja, a lei estabeleceu como requisito da isenção do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no prazo de 180 dias da venda, mas a aplicação/utilização, neste período, do recurso obtido com a venda de imóvel na compra de novo imóvel. Nada mais. Considerar que o requisito da isenção prevista na Lei nº 11.196/05 é a aquisição, em si, de novo imóvel, e não a aplicação (na aquisição de novo imóvel) do recurso obtido com a venda de imóvel, leva a uma interpretação equivocada do dispositivo legal, no sentido de restringir o gozo do benefício fiscal instituído em lei, exatamente como o fez a Receita Federal, através da IN/SRF nº 599/2005. Com efeito, o art. 39 da Lei nº 11.196/05 não autoriza as restrições criadas pela IN/SRF nº 599/2005, notadamente aquelas previstas nos parágrafos 6º, 7º e 11 do art. 2º dessa norma infralegal. (TRF4, AC 5004112-95.2012.404.7100, Segunda Turma, Relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 18/12/2013)

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL. IN/SRF Nº 599/2005 E ART. 39 DA LEI Nº 11.196/05. O Código Tributário Nacional - CTN, em seu art. 111, II, prevê que "Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre (...) II - outorga de isenção". A Lei nº 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na alienação de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da venda, seja aplicado "o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País". Ou seja, a lei estabeleceu como requisito da isenção do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no prazo de 180 dias da venda, mas a aplicação/utilização, neste período, do recurso obtido com a venda de imóvel na compra de novo imóvel. Nada mais. Considerar que o requisito da isenção prevista na Lei nº 11.196/05 é a aquisição, em si, de novo imóvel, e não a aplicação (na aquisição de novo imóvel) do recurso obtido com a venda de imóvel, leva a uma interpretação equivocada do dispositivo legal, no sentido de restringir o gozo do benefício fiscal instituído em lei, exatamente como o fez a Receita Federal, através da IN/SRF nº 599/2005. Com efeito, o art. 39 da Lei nº 11.196/05 não autoriza as restrições criadas pela IN/SRF nº 599/2005, notadamente aquelas previstas nos parágrafos 6º, 7º e 11 do art. 2º dessa norma infralegal. (TRF4, AC 5004038-95.2013.404.7200, Segunda Turma, Relator Rômulo Pizzolatti, D.E. 18/12/2013)

III - CONCLUSÃO

A guisa de conclusão, podemos afirmar que a negativa de isenção do imposto de renda decorrente do ganho de capital, cujo valor integral da venda tenha sido empregado na quitação de outro imóvel objeto de contrato de compromisso de compra e venda, inclusive na planta, prevista na IN SRF n.º 599/2005, é ilegal e inconstitucional, não possuindo valor jurídico.

Mas ante ao entendimento da Receita Federal, contrário à isenção, faz-se necessário à busca por ela via mandado de segurança preventivo, ou repressivo ou ainda ação anulatória de débito fiscal.




* Advogado Tributarista, pós-graduado em Direito Material e Processual Tributário, e especialista em isenções tributárias. e-mail: leandro@linoadvocacia.com.br, blog: http://linoadvogados.blogspot.com.br.



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